13 questões que o seriado “13 Reasons Why” pode te ensinar

Veja como podemos pensar o suicídio, o bullying, a violência psicológica e a agressão física a partir do que aconteceu com Hannah Baker

13 questões que o seriado “13 Reasons Why” pode te ensinar

Alerta de spoilers: veja como podemos pensar o suicídio, o bullying, a violência psicológica e a agressão física a partir do que aconteceu com Hannah Baker

 

Muitos estudantes estão comentando sobre a primeira temporada do novo seriado da Netflix, chamado “13 Reasons Why”. Você assistiu? Ele conta a história de uma adolescente que passou por situações muito ruins durante o ensino médio e acabou cometendo suicídio.

Antes de tirar a sua própria vida, Hannah Baker gravou diversas fitas cassetes para contar os 13 motivos que a fizeram chegar a esse ponto. Ela dá a sua versão sobre os fatos, nomeando, inclusive, os “culpados”.

Durante a trama, podemos perceber a importância de se discutir temas como bullying, violência psicológica, machismo, agressão física e abuso sexual – principalmente dentro do ambiente escolar. Quem ouvirá cada um desses motivos e nos conduzirá a uma série de questionamentos é Clay, um de seus colegas de classe.

O psicólogo Milson Santos Evaristo Júnior explica que é muito difícil achar um único motivo (de maior relevância) para Hannah ter se matado. “O ponto de partida para pensar o suicídio é considerar a complexidade de fatores que envolvem e que levam uma pessoa a se suicidar, como a série mostra”, declara o analista terapêutico.


Apesar de se tratar de uma obra ficcional, você pode perceber que o seriado apresenta temas muito atuais – não é muito diferente do que se acontece nas nossas escolas, né?!

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a cada 40 segundos temos mais um caso de suicídio no mundo. A OMS estima ainda que 90% desses casos poderiam ser prevenidos – é por isso que é importante pensarmos mais sobre esse assunto.

A realidade brasileira também possui indicadores preocupantes. De acordo com dados obtidos pela BBC Brasil, um estudo publicado com informações sobre a mortalidade no país, chamado “Mapa da Violência 2017”, revelou que a taxa de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos subiu quase 10%.

A pesquisa compara a situação brasileira em 2002 – que contava com 5,1 casos de suicídio a cada 100 mil habitantes – com os dados de 2014 – que apresentou 5,6 casos de suicídio a cada 100 mil habitantes.

O psiquiatra da infância e adolescente, Carlos Estelita, também pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz, afirma ao programa Bem Estar, da Globo, que o bullying no ambiente escolar é citado como um dos principais elementos associados ao suicídio.

“Pessoas que seguem qualquer padrão considerado pela maioria da sociedade como desviante – seja o tênis diferente, o peso, a cor da pele ou a orientação de gênero -, são hostilizados continuamente e entram em sofrimento psíquicos”, afirma Estelita.

Agora que já entendemos o contexto no qual estamos inseridos e percebemos a importância de refletir mais sobre os temas apresentados, é hora de descobrir as 13 questões que a série pode nos ensinar. Faremos isso com a ajuda de psicólogo Milson Santos Evaristo Júnior.

Mas, atenção: a seguir, contaremos com muitos spoilers. Se você ainda não assistiu ao seriado, aconselhamos ler essa matéria somente depois, para compartilhar suas próprias percepções com o nosso texto.

Confira as 13 questões que o seriado “13 Reasons Why” pode te ensinar:

1. Nem sempre o adolescente que comete o suicídio é uma pessoa isolada

Diferente do que muitos podem imaginar, Hannah sempre foi uma menina de personalidade forte e bastante participativa. Ela não era tímida, não era quieta, ela fugia de todos os estereótipos de uma pessoa isolada e melancólica.

Milson Santos explica que é preciso ter muita cautela ao se pensar no isolamento como uma característica que contribui para o suicídio – essa é uma ideia muito simplista. “O isolamento também faz parte de um processo de busca de se conhecer e pode ser tão saudável quanto outros comportamentos”, afirma o psicólogo.

Às vezes, um adolescente muito extrovertido pode estar tão adoecido e correndo riscos quanto um adolescente que está isolado.

2. A adolescência é uma fase complexa de transição 

Por meio do seriado, a gente percebe que cada personagem tem características muito peculiares, de maneira que fica muito difícil pensar a adolescência como um fenômeno coletivo.

Um ponto que nos chama a atenção é o fato desse período ser carregado de mudanças. Isso fica evidente nas inúmeras vezes que alguns personagens falam para o Clay que ele era uma pessoa diferente quando menor, por exemplo.

O psicólogo Milson Santos explica que do ponto de vista da psicanálise, existe um processo de transformação muito intenso na adolescência que o jovem precisa lidar – esse crescimento envolve o abandono da infância e seu luto, por valores que regiam a vida dessa criança.

Além disso, o adolescente precisa entender as mudanças no corpo, mudança hormonal, mudança emocional, mudança na voz e a descoberta da sexualidade – que costuma ser algo muito intenso.

“Isso traz uma fragilidade, uma vulnerabilidade, um processo de transformação com uma crise muito intensa que acontece com os adolescentes”, afirma ele. Esse deve ser um aspecto levado em consideração para entender o suicídio entre jovens.

3. Não é porque as coisas ruins acontecem com praticamente todos os adolescentes que elas deixam de ser ruins 

Um questionamento muito interessante que a série levanta é a percepção dos outros estudantes sobre o suicídio de Hannah. Por que ela cometeu suicídio se as mesmas coisas ruins (e violentas) acontecem com a maioria dos estudantes?

Aí é que está a grande questão: o ensino médio não deve ser um teste de resistência, muito pelo contrário. A vida escolar é um momento de formação.

Não é porque outras pessoas sofrem bullying – e não chegam ao ponto de tirar a sua vida – que o bullying deve ser encarado como algo normal. Isso é uma coisa muito séria.

O grande perigo é a gente olhar para esse fenômeno como algo comum ou considerar uma “frescura” da estudante.

4. A indiferença e o vazio sentidos por Hannah são fatores de risco ao suicídio

“Eu acredito que um sinal de alto risco para a ação suicida é quando a pessoa deixa de lutar, quando ela se torna indiferente e passa por uma mudança muito abrupta de posicionamento”, conta Milson Santos.
De acordo com o psicólogo, fica um alerta muito importante com a metáfora da Hannah: essa indiferença, esse vazio e essa desistência podem acabar passando despercebidos como besteira ou frescura.

5.  Nem sempre o objetivo do adolescente que resolve se suicidar é acabar com os seus problemas. Às vezes, ele quer deixar de ser um peso para seus pais

Um ponto muito interessante da série é quando Hannah diz que não quer mais atrapalhar a vida de seus pais. Nessa cena, ela mostra que seu objetivo não é acabar com tudo para evitar o seu sofrimento. Na verdade, ela começa a se sentir um peso na vida das outras pessoas.

O terapêuta explica que há diversas razões para alguém cometer suicídio. Uma delas é a sensação de estragar o mundo. “É um discurso comum. A vítima se mata para não dar trabalho”, explica.
6. Depressão não é a única causa do suicídio 

“Isso foi muito importante na série: não houve uma patologização da Hannah”, introduz Milson Santos. O suicídio não é causado apenas por uma questão que está ligada à depressão (ou algo biológico). Claro que existem casos de depressão endógena, mas essa não é a única causa.

O psicólogo explica que o suicídio costuma ser tratado por especialistas no campo da medicina como algo patológico. Na opinião dele, existe um fator muito mais complexo que esse – toda uma construção, uma cultura, um meio pelo qual a vítima é influenciada.

De acordo com Milson Santos, essa riqueza de pensamento é importante para tirar o suicídio de um assunto tabu. O perigo, portanto, de se patologizar como algo psíquico é que podemos nos limitar ao refletir sobre o assunto.

“Eu acho que muitas vezes a pessoa que comete o suicídio está dando um sinal radical para a sociedade que ela está inserida que algo precisa ser mudado. Infelizmente, devido à patologização, não se leva a sério esse gesto”, comenta ele.

7. O bullying envolve um jogo de poder 

O bullying é definido no dicionário como intimidação ou opressão moral e física, levadas a efeito com ameaças ou violência. Então, podemos dizer que o bullying é uma prática individual ou grupal que envolve violência constante contra um indivíduo de maior fragilidade.

Milson Santos explica que existem dois tipos de bullying, o ativo – aqueles que são mais diretos e costumam envolver força física – e o passivo – os que são indiretos, caracterizado por desmoralização, fofocas, fotos e boatos. A Hannah, por exemplo, passou pelos dois tipos de experiência.

“Muitos dessas pessoas que praticam o bullying vão influenciar outras pessoas a fazer o mesmo – porque são pessoas carismáticas, fortes e populares. A série mostra que há um jogo do poder”, afirma o psicólogo.

8. Transformar o agressor em um monstro nem sempre é a melhor saída 

Transformar o agressor em um monstro não é legal no sentido que nos distancia desse papel social. Ao fazermos isso, fica mais difícil a gente praticar a empatia e entender as questões apresentadas.

Vale muito a pena a gente refletir o que caracteriza um agressor. Ele é somente quem pratica o bullying? Ou é também a pessoa que que ri, quieta, da situação e contribui para que ela continue acontecendo?

Clay, apesar de ser citado de um modo totalmente diferente nas fitas, tem a percepção do que ele fez. Ele acredita que é tão culpado quanto os outros colegas. Isso só foi possível porque ele percebeu que deveria ter agido de outra forma, mesmo sem ter agredido fisicamente a Hannah.

A série nos faz pensar que um agressor é um agressor, indiferente da intensidade da violência praticada. E, mais do que isso, todos nós temos uma certa agressividade dentro de nós – por isso, precisamos olhar para essa situação com empatia e muito respeito.

9. A falta de suporte pode ser uma das possíveis causas do suicídio

“Na minha opinião, um fator principal que leva muitos jovens a cometer o suicídio é a ausência de parceiros que compreendam o processo que ele vive. É a ausência de suporte, ausência de escuta, de acolhida e de empatia”, diz o terapêuta.

Hannah tentou falar com seus pais, procurou amigos e acabou precisando lidar com seus problemas sozinhas. Até mesmo quando ela procurou o conselheiro do colégio (falaremos disso no próximo tópico), ela não encontrou o suporte que precisava.

10. Há muitos profissionais despreparados para ouvir e auxiliar o estudante

Uma das cenas mais fortes da primeira temporada do seriado é quando o próprio conselheiro faz a Hannah se sentir culpada por tudo o que ela relatou. “Você consentiu?”, perguntou ele. Como é que alguém consente com uma violência daquelas? Fica o nosso questionamento.

“Pensar os personagens da série como metáforas do mundo que a gente vive é uma forma bem interessante de trazer a série para perto de nós. O conselheiro representa na nossa sociedade”, afirma Milson.

Existem muitos profissionais despreparados a ouvir uma vítima, um exemplo aplicável na nossa realidade é quando algumas mulheres denunciam abusos nas delegacias especializadas e ainda sofrem um certo tipo de humilhação. Na série, o conselheiro conseguiu piorar toda a situação, além de não prestar auxílio à vítima.

“Será que o conselheiro representa a figura do especialista? É uma boa pergunta essa. Será que os especialistas, de fato, escutam as pessoas? Ou eles estão mais preocupados em medicar, rotular, em patologizar? Isso é bem importante de ser problematizado”, questiona o psicólogo.

11. Fazer campanhas de prevenção ao suicídio por meio de cartazes no colégio não é a melhor opção para fazer parte do mundo dos estudantes 

O psicólogo acredita que um momento muito importante no seriado é quando o Clay fica injuriado com um cartaz de prevenção ao suicídio e começa a rasgar todos eles. “O que ele está denunciando ali? Que aquela maneira de tratar o suicídio não é totalmente efetiva”, comenta Santos.

Os cartazes diziam para as pessoas que se sentem mal procurarem ajuda. O psicólogo acredita que não devemos esperar a conscientização apenas da vítima, mas do grupo como um todo.

Uma sugestão para trabalhar o tema no ambiente escolar seria fazer projetos pedagógicos para se tratar o tema suicídio na escola. Milson Santos explica que precisamos ouvir os jovens e entender como eles interpretam os fenômenos. A partir disso, construir, juntos, uma cultura de conscientização e de segurança para todos os envolvidos.

12. A agressão psicológica é tão séria quanto a agressão física e o abuso sexual 

Hannah Baker comenta em suas fitas que o que a levou a cometer o suicídio foi uma série de etapas. Primeiro, ela explica que acabaram com sua reputação, o segundo passo foi acabarem com sua alegria e, a partir de então, começaram as agressões físicas – chegando ao ponto de sofrer um estupro.

A agressão psicológica sofrida por Hannah foi tão determinante no suicídio quanto as agressões físicas que presenciou e o abuso sexual que sofreu.

13. Não podemos encarar todos esses acontecimentos da série como algo normal

Hannah se matou por escolha? Esse questionamento é levantado na série. Ela poderia simplesmente seguir o seu caminho – como o próprio conselheiro disse. Mas não é tão simples assim.

“Eu acho esses discursos moralistas e de imediação. Quando você pega a carta de alguém que se suicidou, fica muito distante qualquer ideia simplista sobre o fenômeno. Vira a clássica culpabilização da vítima. Isso é muito comum”, finaliza o psicólogo.

O que o seriado trabalha é muito importante principalmente para nós, alunos, que estamos convivendo diariamente com esse tipo de situação. Se pensarmos bem, sabemos que isso poderia ter acontecido com nós mesmos ou com algum amigo muito próximo.

Mas o bom da série é esse: nos dá a oportunidade de pensar e entender o motivo para a nossa vida escolar ser tão violenta. Estamos fazendo a nossa parte? É possível nos reconhecemos em algumas situações? O que faremos para mudar isso que não está certo?

Só de olhar para temas como o bullying, a violência psicológica, o machismo e muitos outros, podemos seguir mais críticos e colaborar para essa mudança.

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