Negrinha: conto de Monteiro Lobato faz parte das obras obrigatórias para o vestibular da Unicamp

Texto, carregado de ironia, apresenta caráter de denúncia social

Negrinha: conto de Monteiro Lobato faz parte das obras obrigatórias para o vestibular da Unicamp

Texto, carregado de ironia, apresenta caráter de denúncia social

Foto: Reprodução/Divulgação

O processo seletivo da Unicamp é assim: tem as suas particularidades. Um exemplo delas é o conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato. O texto, recheado de ironia e com caráter de denuncia social, faz parte da lista de obras obrigatórias para o vestibular 2017.

Para quem não conhece ou não se recorda, contos são narrativas curtas que passam no presente com apenas um conflito e poucas variações. Nesse caso em específico, o conto vai denunciar os maus tratos sofridos por uma criança órfã, filha de escrava.

Negrinha tinha apenas 7 anos. Sua mãe cozinhou muito tempo na casa de Dona Inácia – uma mulher gorda, rica, viúva, sem filhos e mimada principalmente por padres. Quando a sua mãe faleceu, Dona Inácia permitiu que pequena menina morasse lá, como prova de sua caridade.

Negrinha era tratada como se não fosse gente. Vivia apanhando e ouvindo xingamentos como “pestinha”, “mosca-morta”, “diabo”, “coisa-ruim” e “lixo”, por exemplo. Não era permitido brincar, nem em casa, muito menos no quintal – pois poderia estragar as plantas.

Dona Inácia a fazia ficar quieta e parada num canto escuro da sala, sem poder se manifestar. A única diversão da menina era olhar para o cuco, um passarinho colorido e engraçado que saía do relógio.

Para se ter uma ideia de como era a vida de Negrinha, em determinada passagem do conto, a dona da casa, Dona Inácia, fica irritada com ela e enfia um ovo fervendo em sua boca. Nem mesmo os empregados da casa a tratavam bem.

Um certo dia, Dona Inácia recebeu duas sobrinhas pequenas em casa. Elas eram louras, ricas e bem vestidas. Negrinha, quando as viu, achou que eram anjos. A menina ficou maravilhada com uma coisa que carregavam em suas mãos: a boneca.

Negrinha não sabia o que era brinquedo e, para ela, brincar era algo proibido. Seu instinto foi mais forte, ela perguntou às meninas o que era aquilo e começou a brincar.

Como pode-se esperar, Dona Inácia a reprimiu. Depois de um tempo, a dona da casa acabou deixando a Negrinha participar das brincadeiras. Foi assim durante as férias inteiras. Quando chegou a hora das sobrinhas voltarem, Negrinha ficou realmente muito triste.

Mesmo com Dona Inácia a tratando melhor, foi a partir desse encontro que Negrinha passou por uma epifania (quando algo do cotidiano, que poderia passar despercebido, marca de forma revolucionária a vida da pessoa).

Foi somente nesse momento em que ela se deu conta de como era a sua vida. Ela percebeu que era tratada como uma coisa e não como uma criança. Ela descobriu, de acordo com o narrador, que ela tinha alma e não era um objeto.

Não demorou muito tempo e a menina morreu de tristeza. Como está no texto: “essa consciência a matou”. Ela sabia que não viveria momentos alegres e teve certeza do quanto a sua vida foi infeliz.

O autor, Monteiro Lobato, muito famoso pelo “Sítio do Picapau Amarelo”, conseguiu mostrar de forma trágica e contestadora uma triste história cotidiana de crianças negras e filhas de escravos. O texto provoca perplexidade e vale muitíssimo a leitura.

Foto: Reprodução/Divulgação

Uma pergunta sobre esse conto apareceu na Unicamp no vestibular de 2016. Veja como o tema foi abordado:
(Unicamp 2016) Texto para a questão:

Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambas é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.

Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa- e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!

Assim foi — e essa consciência a matou

(Monteiro Lobato)

Nesse fragmento do conto Negrinha, percebe-se uma característica que também ocorre no conto Amor, de Clarice Lispector. Pode-se dizer que nesses contos há:

a) um momento em que há uma epifania.
b) a aceitação tranquila de um destino pré-determinado para a mulher.
c) estilos praticamente idênticos.
d) a redenção da personagem, libertando-se do aprisionamento existencial.

A alternativa correta é a letra A.

O texto “Amor”, de Clarice Lispector, também obra obrigatória para o vestibular 2017, apresenta um momento avassalador na vida da personagem Ana – assim como o de Negrinha. Para visualizar como isso acontece, leia aqui.

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