FUVEST 1991

           - Primo Argemiro!

            E, com imenso trabalho, ele gira no assento, conseguindo pôr-se de-banda, meio assim.

            Primo Argemiro pode mais: transporta uma perna e se escancha no cocho.

            - Que é, Primo Ribeiro?

            - Lhe pedir uma coisa... Você faz?

            - Vai dizendo, Primo.

            - Pois então, olha: quando for a minha hora você não deixe me levarem p'ra o arraial... Quero ir mais é p'ra o cemitério do povoado... Está desdeixado, mas ainda é chão de Deus... Você chama o padre, bem em-antes... E aquelas coisinhas que estão numa capanga bordada, enroladas em papel-de-venda e tudo passado com cadarço, no fundo da canastra... se rato não roeu... você enterra junto comigo... Agora eu não quero mexer lá... Depois tem tempo... Você promete?...

            - Deus me livre e guarde, Primo Ribeiro... O senhor ainda vai durar mais do que eu.

            - Eu só quero saber é se você promete...

            - Pois então, se tiver de ser desse jeito de que Deus não há-de querer, eu prometo.

            - Deus lhe ajude, Primo Argemiro.

            E Primo Ribeiro desvira o corpo e curva ainda mais a cara.

            Quem sabe se ele não vai morrer mesmo? Primo Argemiro tem medo do silêncio.

            - Primo Ribeiro, o senhor gosta d'aqui?...

            - Que pergunta!  Tanto faz... É bom p'ra se acabar mais ligeiro... O doutor deu prazo de um ano... Você lembra?

            - Lembro! Doutor apessoado, engraçado... Vivia atrás dos mosquitos, conhecia as raças lá deles, de olhos fechados, só pela toada da cantiga... Disse que não era das frutas e nem da água... Que era o mosquito que punha um bichinho amaldiçoado no sangue da gente... Ninguém não acreditou... Nem o arraial.  Eu estive lá com ele...

            - Primo Argemiro o que adianta...

            - ... E então ele ficou bravo, pois não foi?  Comeu goiaba, comeu melancia da beira do rio, bebeu água do Pará e não teve nada...

            - Primo Argemiro...

            - ... Depois dormiu sem cortinado, com janela aberta... Apanhou a intermitente; mas o povo ficou acreditando...

            - Escuta!  Primo Argemiro... Você está falando de-carreira, só para não me deixar falar!

            - Mas, então, não fala em morte Primo Ribeiro!... Eu, por nada que não queria ver o senhor se ir primeiro do que eu...

            - P'ra ver!... Esta carcaça bem que está aguentando... Mas, agora, já estou vendo o meu descanso, que está chega-não-chega, na horinha de chegar...

            - Não fala isso Primo!... Olha aqui: não foi pena ele ter ido s'embora?  Eu tinha fé em que acabava com a doença...

            - Melhor ter ido mesmo... Tudo tem de chegar e de ir s'embora outra vez... Agora é a minha cova que está me chamando... Aí é que eu quero ver!  Nenhumas ruindades deste mundo não têm poder de segurar a gente p'ra sempre, Primo Argemiro...

            - Escuta Primo Ribeiro: se alembra de quando o doutor deu a despedida p'ra o povo do povoado?  Foi de manhã cedo, assim como agora... O pessoal estava todo sentado nas portas das casas, batendo queixo.  Ele ajuntou a gente... Estava muito triste... Falou: - 'Não adianta tomar remédio, porque o mosquito torna a picar... Todos têm de se, mudar daqui... Mas andem depressa pelo amor de Deus!' -... -Foi no tempo da eleição de seu Major Vilhena... Tiroteio com três mortes...

            - Foi seis meses em-antes-de ela ir s'embora...

            De branco a mais branco, olhando espantado para o outro, Primo Argemiro se perturbou.  Agora está vermelho, muito.

            Desde que ela se foi, não falaram mais no seu nome.  Nem uma vez.  Era como se não tivesse existido.  E, agora...

João Guimarães Rosa, Sarapalha, do livro SAGARANA.

"Foi seis meses em-antes-de ela ir-s'embora..."
"Desde que ela se foi, não falaram mais no seu nome.  Nem uma vez.  Era como se não tivesse existido."

Estas duas passagens fazem referência explícita ao motivo central da narrativa:

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