IFCE 2011

Nasce um escritor

 

            O primeiro dever passado pelo novo professor de português foi uma 7descrição tendo o mar como tema. A classe inspirou, toda ela, nos encapelados mares de Camões, aqueles nunca dantes navegados. O 5episódio do Adamastor foi reescrito pela 2meninada. Prisioneiro no internato, eu vivia na saudade das 4praias do Pontal onde conhecera a liberdade e o sonho. O mar de Ilhéus foi o tema de minha descrição.

            Padre Cabral levara os deveres para corrigir em sua cela. Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que 1ia ler. Tinha certeza, afirmou, que o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido. Não regateou elogios. 3Eu acabara de completar onze anos.

            Passei a ser uma personalidade, segundo os cânones do colégio, ao lado dos futebolistas, dos campeões de matemática e de religião, dos que 6obtinham medalhas. Fui admitido numa espécie de Círculo Literário onde 9brilhavam 8alunos mais velhos. Nem assim deixei de me sentir prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos em que estudei no colégio dos jesuítas.  11Houve, porém, 10sensível mudança na limitada vida do aluno interno: o padre Cabral tomou-me sob sua proteção e colocou em minhas mãos livros de sua estante. Primeiro "As Viagens de Gulliver", depois clássicos portugueses, traduções de ficcionistas ingleses e franceses. Data dessa época minha paixão por Charles Dickens. Demoraria ainda a conhecer Mark Twain: o norte-americano não figurava entre os prediletos do padre Cabral.

            Recordo com carinho a figura do jesuíta português erudito e amável. Menos por me haver anunciado escritor, sobretudo por me haver dado o amor aos livros, por me haver revelado o mundo da criação literária. Ajudou-me a suportar aqueles dois anos de internato, a fazer mais leve a minha prisão, minha primeira prisão.

AMADO, Jorge. O menino Grapiúna. Rio de Janeiro. Record. 1987. p. 117-20.

 

A palavra “descrição” (ref. 7) é parônima de discrição. O par de parônimas, cujos significados estão corretamenteapontados, está na opção 

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