ITA 2011

            Véspera de um dos muitos feriados em 2009 e a insana tarefa de mover-se de um bairro a outro em São Paulo para uma reunião de trabalho. Claro 11que a cidade já tinha travado no meio da tarde. De táxi, pagaria uma fortuna para ficar parada e chegar atrasada, 6pois até as vias alternativas que os taxistas conhecem estavam entupidas. De ônibus, nem o corredor funcionaria, tomado pela fila dos 1mastodônticos veículos. Uma dádiva: eu não estava de carro. Com as pernas livres dos pedais do automóvel e um sapato baixo, nada como viver a liberdade de andar a pé. Carro já foi sinônimo de liberdade, mas não contava com o congestionamento.

            Liberdade de verdade é trafegar entre os carros, e mesmo sem apostar corrida, observar que o automóvel na rua anda à mesma velocidade média que você na calçada. É quase como 2flanar. Sei, como motorista, 12que o mais irritante do trânsito é quando o pedestre naturalmente te ultrapassa. Enquanto você, no carro, gasta dinheiro para encher o ar de poluentes, esquentar o planeta e chegar atrasado às reuniões. E ainda há quem pegue congestionamento para andar de esteira na academia de ginástica.

            Do Itaim ao Jardim Paulista, meia horinha de caminhada. Deu para ver que a Avenida Nove de Julho está cheia de mudas crescidas de pau-brasil. E mais uma 3porção de cenas 13que só andando a pé se pode observar. Até chegar ao compromisso pontualmente.

            Claro 14que há pedras no meio do caminho dos pedestres, e muitas. 7Já foram inclusive objeto de teses acadêmicas. Uma delas, Andar a pé: um modo de transporte para a cidade de São Paulo, de Maria Ermelina Brosch Malatesta, sustenta que, 8apesar de ser a saída mais utilizada pela população nas atuais condições de esgotamento dos sistemas de mobilidade, o modo de transporte a pé é tratado de forma inadequada pelos responsáveis por administrar e planejar o município.

            As maiores reclamações de quem usa o mais simples e barato meio de locomoção são os

“obstáculos” que aparecem pelo caminho: bancas de camelôs, bancas de jornal, lixeira, postes. Além das calçadas estreitas, com buracos, degraus, desníveis. E o estacionamento de veículos nas calçadas, mais a entrada e a saída em guias rebaixadas, aponta o estudo.

            Sem falar nas estatísticas: atropelamentos correspondem a 14% dos acidentes de trânsito. Se o acidente envolve vítimas fatais, o percentual sobe para nada menos 15que 50% - o que atesta a falta de investimento público no transporte a pé.

            Na Região Metropolitana de São Paulo, as viagens a pé, com extensão mínima de 500 metros, correspondem a 34% do total de viagens. Percentual parecido com o de Londres, de 33%. Somadas aos 32% das viagens realizadas por transporte coletivo, que são iniciadas e concluídas por uma viagem a pé, perfazem o total de 66% das viagens! Um número bem 4desproporcional ao espaço destinado aos pedestres e ao investimento público destinado a eles, especialmente em uma cidade como São Paulo, onde o transporte individual motorizado tem a 5primazia.

            A locomoção a pé acontece tanto nos locais de maior densidade – caso da área central, com registro de dois milhões de viagens a pé por dia –, como nas regiões mais distantes, onde são maiores as deficiências de transporte motorizado e o perfil de renda é menor. A maior parte das pessoas que andam a pé tem poder aquisitivo mais baixo. Elas buscam alternativas para enfrentar a condução cara, desconfortável ou lotada, o ponto de ônibus ou estação distantes, a demora para a condução passar e a viagem demorada.

            9Já em bairros nobres, como Moema, Itaim e Jardins, por exemplo, é fácil ver carrões que saem das garagens para ir de uma esquina a outra e disputar improváveis vagas de estacionamento. A ideia é manter-se fechado em shoppings, boutiques, clubes, academias de ginástica, escolas, escritórios,10 porque o ambiente lá fora – o nosso meio ambiente urbano – dizem que é muito perigoso.

(Amália Safatle. http://terramagazine.terra.com.br, 15/07/2009. Adaptado.)

 

Assinale a opção em que a expressão ou palavra grifada expressa exagero.

Escolha uma das alternativas.