UPE 2012

Texto 1

Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita, jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

LISPECTOR, Clarice. “Amor” In Laços de Família. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 2000.

 

Texto 2

 Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!... E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.”

ROSA, João Guimarães. “A terceira margem do rio” In Primeiras Estórias. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988.

 

Considerando os textos 1 e 2, analise as afirmativas a seguir:

I. A linguagem utilizada por Lispector anuncia uma narrativa cuja principal característica é, por meio dos desvarios das personagens centrais e secundárias, promover e possibilitar denúncias sociais e históricas.

II. Guimarães Rosa procura, por meio de uma linguagem sofisticada, trazer à tona as inquietudes e as angústias de um homem sertanejo cansado de sua família e que decidiu ir à procura de novas aventuras amorosas para a sua vida.

III. O encontro com o cego que masca chiclete provoca em Ana um sentimento de inquietação. Ana vivencia uma espécie de epifania, ocorrência, por sinal, comum também em outras narrativas de Lispector.

IV. No texto 1, o narrador discorda daqueles que têm seu pai como louco. Na sua narrativa, Guimarães Rosa põe o leitor para refletir sobre desejos humanos, como a necessidade de tomar atitudes não previsíveis.

V. Lispector e Guimarães Rosa, cada um ao seu modo, por meio dos textos “Amor” e “A terceira margem do rio”, fazem notar ao leitor que a vida humana, mesmo quando parece ordeira, pode, de um momento para o outro, sofrer modificações.

 

Está CORRETO o que se afirma em

Escolha uma das alternativas.