UEL 2009

– Eu vinha vindo para cá. Eu vinha vindo meio tonta, como sempre fico, assim meio tonta, quando durmo tanto. E nem durmo, é mais uma coisa que parece. Foi numa dessas barraquinhas de frutas que eu vi. Eu vinha de cabeça baixa, mas. Umas ameixas tão vermelhas. Eu vinha pensando numa porção de coisas quando.

– Que coisas?

– Que coisas o quê?

– As que você vinha pensando.

Ela acende outro cigarro. Do lado certo.

– Sei lá, que eu ando. Muito triste, ou. Uma merda, tudo isso. Mas não importa, por favor. Não me interrompa agora. Tem uma coisa dentro de mim que continua dormindo quando eu acordo, muito longe. Faz tempo isso.
– Traga fundo. E solta, quase sem respirar. – Foi então que eu vi aquelas ameixas e achei tão bonitas e tão vermelhas que pedi um quilo e era minha última grana certo e daí eu pensei assim se comprar essas ameixas agora vou ter que voltar a pé para casa mas que importa volto a pé mesmo pode ser até que acorde um pouco e então eu vinha comendo devagarinho as ameixas eu não conseguia parar de comer já tinha comigo umas seis quando dobrei a esquina aqui da rua ia saindo um caixão de defunto do sobrado amarelo acho que era um caixão cheio quer dizer com um defunto dentro porque ia saindo e não entrando certo e foi bem na hora que eu dobrei não deu tempo de parar nem de desviar daí então eu tropecei no caixão e as ameixas todas caíram na calçada e foi aí que eu reparei naquelas pessoas de preto óculos escuros e lenços no nariz e uma porrada de coroas de flores devia ser um defunto muito rico e aquele carro fúnebre parado e só aí eu entendi que era um velório. Quer dizer, um enterro. O velório é antes, certo?

– É – confirmo. – O velório é antes.

ABREU, C. F. "Pêra, uva ou maçã?". In: Morangos mofados. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 99-100.

 

 

A escassez de vírgulas no registro da fala da personagem feminina, nesse trecho do conto transcrito, justifica-se porque

Escolha uma das alternativas.