UEL 2010
Quando os filhos de Ponciá Vicêncio, sete, nasceram e morreram, nas primeiras perdas ela sofreu muito. Depois, com o correr do tempo, a cada gravidez, a cada parto, ela chegava mesmo a desejar que a criança não sobrevivesse. Valeria a pena pôr um filho no mundo? Lembrava-se de sua infância pobre, muito pobre na roça e temia a repetição de uma mesma vida para os seus filhos. O pai trabalhava tanto. A mãe pelejava com as vasilhas de barro e tinham apenas uma casa de pau a pique coberta de capim, para abrigar a pobreza em que viviam. E esta era a condição de muitos. Molambos cobriam o corpo das crianças que até bem grandinhas andavam nuas. Entretanto, assim que as meninas cresciam um pouco, as mães providenciavam panos para tapar-lhes o sexo e os seios. Crescera na pobreza. Os pais, os avós, os bisavôs sempre trabalhando nas terras dos senhores. A cana, o café, toda a lavoura, o gado, as terras, tudo tinha dono, os brancos. Os negros eram donos da miséria, da fome, do sofrimento, da revolta suicida. Alguns saíram da roça, fugiam para a cidade, com a vida a se fartar de miséria, e com o coração a sobrar esperança. Ela mesma havia chegado à cidade com o coração crente em sucessos e eis no que deu. Um barraco no morro. Um ir e vir para a casa das patroas. Umas sobras de roupa e de alimento para compensar um salário que não bastava. Um homem sisudo, cansado, mais do que ela talvez, e desesperançado de outra forma de vida. Foi bom os filhos terem morrido. Nascer, crescer, viver para quê? [...] De que valera o padecimento de todos aqueles que ficaram para trás? De que adiantara a coragem de muitos em escolher a fuga, de viverem o ideal quilombola? De que valera o desespero de Vô Vicêncio? Ele, num ato de coragem-covardia, se rebelara, matara uns dos seus e quisera se matar também. O que adiantara? A vida escrava continuava até os dias de hoje. Sim, ela era escrava também. Escrava de uma condição de vida que se repetia. Escrava do desespero, da falta de esperança, da impossibilidade de travar novas batalhas, de organizar novos quilombos, de inventar outra e nova vida.
Assinale a alternativa que indica corretamente o recurso expressivo do texto.
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