UEL 2011

Embaixo, o rumor da água pipocando sobre o pedregulho; vaga-lumes retouçando no escuro. Desci, deime com o lugar onde havia estado; tenteei os galhos do sarandi; achei a pedra onde tinha posto a guaiaca e as armas, corri as mãos por todos os lados, mais pra lá, mais pra cá...; nada... nada!...


Então, senti frio dentro da alma. . . o meu patrão ia dizer que eu havia roubado!... roubado... Pois então eu ia lá perder as onças!... Qual! Ladrão, ladrão, é que era!...

 

E logo uma tenção ruim entrou-me nos miolos: eu devia matar-me, para não sofrer a vergonha daquela suposição.

 


É, era o que eu devia fazer: matar-me... e já, aqui mesmo!

 

Tirei a pistola do cinto: amartilhei o gatilho... benzi-me, e encostei no ouvido o cano, grosso e frio, carregado de bala...

 


Ah! patrício! Deus existe!... No refilão daquele tormento, olhei para diante e vi... as Três-Marias luzindo na água... o cusco encarapitado na pedra, ao meu lado, estava me lambendo a mão... e logo, logo, o zaino relinchou lá em cima, na barranca do riacho, ao mesmíssimo tempo que a cantoria alegre de um grilo retinia ali perto, num oco de pau!... Patrício! não me avexo duma heresia; mas era Deus que estava no luzimento daquelas estrelas, era ele que mandava aqueles bichos brutos arredarem de mim a má tenção...

 

O cachorrinho tão fiel lembrou-me a amizade da minha gente; o meu cavalo lembrou-me a liberdade, o trabalho, e aquele grilo cantador trouxe a esperança...

 


Eh-pucha! patrício, eu sou mui rude... a gente vê caras, não vê corações...; pois o meu, dentro do peito, naquela hora, estava como um espinilho ao sol, num descampado, no pino do meio-dia: era luz de Deus por todos os lados!...

 

E já todo no meu sossego de homem, meti a pistola no cinto. Fechei um baio, bati o isqueiro e comecei a pitar.

 

LOPES NETO, J. S. Contos gauchescos. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2008. p. 21-22


Com base no texto, assinale a alternativa correta.

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