UEMG 2015

Luz em resistência

Estou sentada em minha cama, em semiobscuridade e me percebo com a cabeça entre as mãos, tenho a compulsão de me ajoelhar e prostrar-me, é dramático o que faço. Me sento de novo e de novo ponho a cabeça entre as mãos. Será possível que estou representando e representando pra Deus? Quero ficar natural, estou sozinha, não dá pra enganar ninguém, mas tenho um corpo e de algum modo ele se coloca no espaço, impossível não perceber a importância essencial do corpo, preciso da língua pra falar. Mas não é porque estou sozinha que vou dizer olha eu aqui, Deus, baratear o texto. Falo assim: eis-me aqui, dá um jeito do Franz aparecer em nossa casa, enquanto o Miguel estiver viajando. Percebo — ai que nojo, percebo demais — que disse ‘eis-me’ e depois ‘dá’ no lugar de dai, mas não é desrespeito, é fluxo de sentimento que não tolera preocupação com a gramática e — percebo de novo — faço isso desde o primário, se corrigir tira a seiva da coisa. Gosto de pérola barroca e cerâmica torta, só não gosto de ter tomado consciência de meus lapsos gramaticais. “A língua fala dos tesouros do coração?”. Então este é o meu tesouro desejo, vou falar com força e pausadamente: Deus faz eu ficar com o Franz sozinha, por uma hora inteira — uma hora só, não, passa muito depressa —, duas horas, só conversando, só isso que eu quero, me dá esta graça, meu Pai. Acho que hoje escandalizei a Ester, não acontecerá mais. Não sei o que fazer com a Sabina que nos interroga como se fôssemos culpadas das estranhezas da Bíblia. Ninguém sabe que o Franz está em Riachinho e desta vez não é pra fazer ponte nenhuma, veio só pra me ver, eu sei, veio por minha causa, o bacana. Quando as duas chegarem na segundafeira, informo assim bem casual: amigo nosso passou por aqui, etc. e etc., não saberão do que se trata. Ao fim do rosário faço o agradecimento pela enormíssima graça recebida que é esta — sei que falo como se o Senhor fosse se esquecer, mas sou humana — a graça, dada pelo Senhor, de ter tido duas horas inteiras para ficar com o Franz. Mãe de Deus, pede por mim. Perhaps Love, gravar uma fita só com esta música começando e acabando e começando de novo e acabando e começando. Julinha me surpreendeu decorando e falou: tadinha. E eu sei que não foi por causa do meu inglês deficitário, ficou com pena é da minha menopausa em flor. Em qual dos dois espelhos acredito, no que me põe melhor ou no que me dá vontade de nunca mais sair de casa? Mãe de Deus, minha saudade do Franz é no corpo mas é ilocalizável. Ah, estou com saudade dele é na alma, Franz Bota, até o apelido dele é precioso, quero o precioso, meu deus, me ajuda a ver aquele homem. Se isso fosse teatro, acabava com Perhaps Love.

PRADO, 2011, 2014, p. 17-19.

 

 

Ao longo do texto, nota-se que a narradora se vê envolvida em uma série de conflitos. Uma das estratégias que a língua tem de expressar ideias conflitantes é o uso das conjunções adversativas, como a conjunção “mas” (“adverso” equivale a “oposto”, “contrário”). De acordo com o linguista Oswald Ducrot, as ideias adversas articuladas por “mas” geralmente estão subentendidas. Exemplo: “Está chovendo, mas vou sair”. Nota-se que o ato de “chover”, em si, não é oposto ao de “sair”. O que ocorre é que, quando se diz “está chovendo”, conclui-se, implicitamente, que não se deve sair. Essa conclusão é que se opõe, de fato, à segunda oração.

 

Com base nessa explicação, assinale a única opção em que a conjunção “mas” articula ideias explicitamenteopostas:

Escolha uma das alternativas.