UEMG 2016

TEXTO I

As últimas do mineiro

Zuenir Ventura

Talvez porque numa das vezes em que alguém bateu com a língua nos dentes um pescoço foi parar na forca, Minas trabalha em silêncio, como se diz. Pode não ser verdade, mas é a versão, que acaba prejudicando mais do que favorecendo a imagem de um estado que, além das riquezas naturais e de uma poderosa tradição política, tem o maior patrimônio histórico-cultural do país. Numa época de predomínio do marketing, em que o importante é mostrar mais do que fazer, ficar calado no seu canto pode não ser um bom negócio.

Como afirma um amigo de Belo Horizonte, “temos os melhores grupos de dança do país, cantores e compositores excelentes, artistas plásticos e grupos teatrais de alta qualidade, mas não divulgamos, temos pudor de nos exibir, de mostrar ao país o que somos”.

Ele acredita que de fora se tem uma visão regionalista limitada à memória e à questão do patrimônio histórico, à longa tradição de pedra e cal da cultura mineira. Sem descuidar desse acervo (só de barroco estão ali 65% do patrimônio nacional), o desafio dos governantes mineiros é mostrar sem reserva o que Minas tem de mais moderno, cosmopolita e contemporâneo.

Mas acho que não será fácil assim. A não ser meu amigo Ziraldo, que adora se mostrar, tendo aliás razão para isso, que outro mineiro vocês imaginam chamando a atenção para o que está fazendo? Num artigo famoso, Guimarães Rosa listou 66 adjetivos com os quais são caracterizados seus conterrâneos. Eles vão de “acanhado, afável, desconfiado” até “sonso, sóbrio, taciturno, tímido”, passando por “precavido, pão-duro, perspicaz, quieto, irônico, meditativo”.

Fernando Sabino, que conhece a alma mineira como a dele próprio, tem várias histórias para ilustrar como seus conterrâneos ficam sempre na moita. Mineiro não gosta de revelar nem a identidade.

— Qual é o seu nome todo? — pergunta o carioca.

— Diz a parte que você sabe

— desconversa o mineiro. Nessa aqui o escritor conta o diálogo com um motorista mineiro em Nova York:

— Ah, você também é de Minas?

— Sou sim sinhô.

— De onde?

— De Minas mesmo.

Se consegue esconder até de onde é, imagina quando lhe pedem uma opinião política.

— Que tal o prefeito daqui?

— O prefeito? É tal qual eles falam dele.

— Que é que falam dele?

— Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo que é prefeito.

Há quem alegue que o que se diz em forma de anedota está longe de ser a verdade sobre Minas, são apenas versões. Então me lembro do dia em que alguém reclamou de José Maria Alkmim: “Criei a frase ‘o que importa é a versão, não o fato’, e todo mundo atribui ela a você. Ao que ele respondeu: “Isso só confirma a frase.”

Portanto, imprima-se a versão.

 

TEXTO II

Os princípios da conversa

José Luiz Fiorin

As condições gerais de linguagem que permitem fazer inferências na troca verbal Uma anedota conhecida conta que um agente alfandegário pergunta a um passageiro que desembarcara de um voo internacional e passava pela aduana:

– Licor, conhaque, grapa...?

O passageiro responde:

– Para mim, só um cafezinho.

A graça da piada reside no fato de que o passageiro fez, propositadamente ou não, uma inferência errada nessa situação de comunicação. Inferiu que o fiscal aduaneiro lhe oferecia um digestivo, como no final de uma refeição num restaurante, quando, na realidade, a inferência correta é se ele trazia alguma bebida alcoólica na bagagem. Ele violou o princípio de pertinência que rege o uso da linguagem.

Chama-se inferência pragmática aquela que resulta do uso dos princípios que governam a utilização da linguagem na troca verbal. Paul Grice (1975) postula que um princípio de cooperação preside à comunicação. Ele enuncia-se assim: sua contribuição à comunicação deve, no momento em que ocorre, estar de acordo com o objetivo e a direção em que você está engajado.

Categorias

Esse princípio é explicitado por quatro categorias gerais – a da quantidade das informações dadas, a de sua verdade, a de sua pertinência e a da maneira como são formuladas, que constituem as máximas conversacionais. (...)

Não são regras

Pode-se infringir uma máxima para não transgredir outra, cujo respeito é considerado mais importante.

No exemplo que segue, a resposta do interlocutor viola a máxima da quantidade para não desobedecer à da qualidade:

– Onde João trabalha? Ele saiu daquela firma?

– No Rio de Janeiro.

Com efeito, quem pergunta quer de fato saber é a firma onde João presta serviços. A resposta mais vaga permite inferir que o interlocutor não sabe exatamente onde João trabalha.

Pode-se explorar a infringência de uma máxima com vistas a criar um dado efeito de sentido.

Por exemplo, a ironia é a exploração de uma transgressão da máxima da qualidade. O que o texto irônico está dizendo não é verdade. Deve-se entendê-lo pelo avesso. No exemplo que segue, “modesto” quer dizer o oposto:

“‘Tenho uma voz conhecida, então não é qualquer narrador, é o Falabella contando a história’, diz o modesto autor-locutor” (+ Miguel Falabella) (Veja, 11/1/2012, p. 109)

 

MÁXIMAS CONVERSACIONAIS

Máximas da quantidade

a) Que sua contribuição contenha o tanto de informação exigida;

b) Que sua contribuição não contenha mais informação do que é exigido.

Máximas da qualidade (da verdade)

a) Que sua contribuição seja verídica;

b) Não diga o que pensa que é falso;

c) Não afirme coisa de que não tem provas.

Máxima da relação (da pertinência)

Fale o que é concernente ao assunto tratado (seja pertinente).

Máximas de maneira

Seja claro.

a) Evite exprimir-se de modo obscuro;

b) Evite ser ambíguo;

c) Seja breve (evite a prolixidade inútil);

d) Fale de maneira ordenada.

http://revistalingua.com.br/textos/100/artigo304577-1.asp. (Adaptado).

Em conformidade com a explicação dada pelo texto II, é correto afirmar que os diálogos citados no texto I contêm exemplos de desobediência à máxima da

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