UFJF 2013

Texto I

 

 

Mapa​

 

 

Me colaram no tempo, me puseram

uma alma viva e um corpo desconjuntado.

Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,

a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.

Me vejo numa nebulosa, rodando sou um fluido,

depois chego à consciência da terra, ando como os outros,

me pregam numa cruz, numa única vida.

Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.

Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.

 

Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,

gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,

alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem

nem o mal.

Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,

tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamento,

não acredito em nenhuma técnica.

Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,

é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,

depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,

na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.

Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações...

Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.

Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.

Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando,

presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,

o mundo vai mudar a cara,

a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

 

Andarei no ar.

Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,

me aninharei nos recantos do corpo da noiva,

na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.

Tudo transparecerá:

vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,

o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,

dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres

vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar,

me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

 

Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.

Detesto os que se tapeiam,

os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos"...

Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,

os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,

as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.

Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito...

viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.

 

Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,

dos amores raros que tive,

vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,

tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,

estou no ar, na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,

no meu quarto modesto da Praia de Botafogo,

no pensamento dos homens que movem o mundo,

nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,

sempre em transformação.

MENDES, Murilo. Poesia Completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1994. pp. 116-117.

 

 

Texto II

 

Versos íntimos

 

 

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!

 

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

 

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

In: MORICONI, Ítalo. Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. p. 61

 

 

Pode-se dizer, comparando os poemas de Murilo Mendes (Texto I) e de Augusto dos Anjos (Texto II), que:

Escolha uma das alternativas.