UFV 2011

Você, modo de usar

 

Quando caminho pelas ruas da cidade, ou mesmo quando circulo de carro, reparo em pequenos pontos comerciais em
construção e, na hora, penso: tomara que seja uma livraria, tomara que seja uma papelaria, tomara que seja uma galeria de arte, tomara que seja um bistrô, tomara que seja uma floricultura. Vou acompanhando a obra com expectativa, até que um dia os tapumes são retirados e shazam: é mais uma farmácia.

 

Remédio não é sorvete, não é banana, não é pãozinho. Mas o povo se acostumou a ingerir goela abaixo o que lhe sugerem, sem receita, sem critério, e a indústria farmacêutica e seus pontos de distribuição prosperam.

 

Conversava outro dia com uma amiga endocrinologista e falávamos justamente sobre como tantas doenças poderiam ser prevenidas através da simples mudança de hábitos. Ninguém nega a importância de uma campanha de prevenção contra o uso do crack, por exemplo, mas há um número ainda maior de pessoas se viciando em gordura, evitando legumes, se entupindo de refrigerantes, não dando atenção aos produtos orgânicos, abusando do sal, do açúcar e das frituras. Seria igualmente progressista uma campanha que alertasse para os efeitos colaterais de se comer errado.

 

Esse é só um exemplo de como a falta de qualidade de vida pode adoecer e até matar. A causa de óbitos geralmente é infarto, câncer, infecção generalizada, falência múltipla de órgãos, mas algumas destas doenças tendem a iniciar décadas antes,por meio de uma rotina de muito estresse, ansiedade, angústia emocional e neuroses não tratadas. Negativismo, raiva, frustração, nada disso colabora com o nosso metabolismo. É aí que pequenas atitudes podem fazer diferença, como praticar atividades físicas, buscar um recurso para relaxamento (ioga, meditação, terapia, religião, massagem), cultivar amigos, dormir bastante, usar filtro solar, cuidar da postura, beber muita água, controlar o peso, não fumar, não beber em excesso, fazer check ups periódicos − e não se drogar, lógico. Os médicos têm batido nessa tecla com insistência, mas ainda há quem considere esse blablablá improdutivo ou politicamente correto demais.

 

Não tem nada a ver com politicamente correto, e sim com inteligência. E inteligência não se vende em frascos.

 

Farmácias comercializam produtos de primeira necessidade. Sem elas, não teríamos acesso a medicamentos fundamentais para nossa saúde mental e física, devidamente prescritos, mas precisamos de tantas Brasil afora? Creio que teríamos uma sociedade bem mais saudável se a população contasse com um maior número de pontos de venda de livros, sucos, flores, livros, discos, bicicletas, livros, frutas, bolas de futebol, raquetes de frescobol, livros, instrumentos musicais, sapatilhas, livros, livros e, claro, livros.
(MEDEIROS, Martha. Você, modo de usar. Revista O Globo. Rio de Janeiro, n. 342, 13 fev. 2011, p. 24.)

 

Assinale a alternativa que apresenta um comentário inadequado em relação à passagem do texto selecionada:

Escolha uma das alternativas.