UNB 2011

Texto I

 

Visão 1944

 

(...)

Meus olhos são pequenos para ver

luzir na sombra a foice da invasão

e os olhos no relógio, fascinados,

ou as unhas brotando em dedos frios.

 

Meus olhos são pequenos para ver

o general com seu capote cinza

escolhendo no mapa uma cidade

que amanhã será pó e pus no arame.

 

(...)

 

Meus olhos são pequenos para ver

essa fila de carne em qualquer parte,

de querosene, sal ou de esperança

que fugiu dos mercados deste tempo.

 

(...)

 

Meus olhos são pequenos para ver

o mundo que se esvai em sujo e sangue,

outro mundo que brota, qual nelumbo

— mas veem, pasmam, baixam deslumbrados.

Carlos Drummond de Andrade. Visão 1944. In: Poesia completa.Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 205-8.

 

Texto II

 

Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.

 

E, falando assim, compreendo que perco tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.

 

Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as ideias não vêm, ou vêm muito numerosas e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.

 

Emoções indefiníveis me agitam inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.

 

Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, reprodução imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.

Graciliano Ramos. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 100-1

 

No poema Visão 1944, de Carlos Drummond de Andrade, e no romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, verificam-se, respectivamente,

Escolha uma das alternativas.