UNB 2013

Razão contra Sandice

 

Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:

 

— La maison est à moi, c’est à vous d’en sortir.

 

Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. É sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio à porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.

 

— Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao resto.

 

— Está bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...

 

— Que mistério?

 

— De dois, emendou a Sandice: o da vida e o da morte; peço-lhe só uns dez minutos.

 

A Razão pôs-se a rir.

 

— Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa.

 

E, dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...

Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê, 2001, p.84-5.

 

 

Com base no capítulo apresentado da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e em relação às características da produção literária brasileira do século XIX, assinale a opção correta.

Escolha uma das alternativas.