UNICENTRO 2010

Somos muito atrasados (literalmente)

As estatísticas mostram que a ineficiência dos serviços públicos e privados no país rouba horas preciosas dos cidadãos.

A origem disso é também cultural: o Brasil tem um dos povos menos pontuais do mundo

Kalleo Coura

 

Esperar é sofrer. Tanto pela ansiedade associada à expectativa de ver algo se realizar como pela sensação, na maioria das vezes correta, de que se está desperdiçando algo valioso: tempo. Estima-se que um americano médio gaste cinco anos de sua vida parado em filas e seis meses esperando semáforos se abrirem. Se o mesmo estudo fosse feito no Brasil, as conclusões seriam ainda mais desanimadoras. A burocracia, a ineficiência de alguns serviços e o trânsito sobrecarregado fazem com que os brasileiros percam uma parcela muito maior de sua vida em atividades improdutivas do que, por exemplo, os americanos. Como a jornada de trabalho no Brasil também é maior, o resultado é que sobra menos tempo para a diversão. A cena de aeroportos abarrotados por causa do atraso de voos retrata o confisco de tempo livre a que os brasileiros costumam ser submetidos. Na quinta-feira 19, as companhias aéreas registraram um pico de 23% de voos com mais de trinta minutos de atraso. A média de outubro, que já foi alta, chegou a 14%. A população lida com essa realidade das duas únicas maneiras possíveis: ou incorpora a lentidão ao seu ritmo de vida, ou se exalta e perde a paciência. "A primeira postura é a que predomina no Brasil", diz o psicólogo social americano Robert Levine, autor do livro Uma Geografia do Tempo, inspirado na sua experiência como professor visitante em Niterói.

No fim da década de 90, atormentado pelos chás de cadeira que enfrentou no Brasil, Levine resolveu fazer um levantamento em grandes cidades de 31 países para descobrir como diferentes culturas lidam com a questão do tempo. A conclusão foi que os brasileiros estão entre os povos mais atrasados – do ponto de vista temporal, bem entendido – do mundo. Foram analisadas a velocidade com que as pessoas percorrem determinada distância a pé no centro da cidade, o número de relógios corretamente ajustados e a eficiência dos correios. Os brasileiros pontuaram muito mal nos dois primeiros quesitos. No ranking geral, os suíços ocupam o primeiro lugar. O país dos relógios é, portanto, o que tem o povo mais pontual. Já as oito últimas posições no ranking são ocupadas por países pobres.

O estudo de Robert Levine associa a administração do tempo aos traços culturais de um país. "Nos Estados Unidos, por exemplo, a ideia de que tempo é dinheiro tem um alto valor cultural. Os brasileiros, em comparação, dão mais importância às relações sociais e são mais dispostos a perdoar atrasos", diz o psicólogo. Uma série de entrevistas com cariocas, por exemplo, revelou que a maioria dos brasileiros considera aceitável que um convidado chegue mais de duas horas depois do combinado a uma festa de aniversário. Pode-se argumentar que os brasileiros são obrigados a ser mais flexíveis com os horários porque a infraestrutura não ajuda. Como ser pontual se o trânsito é um pesadelo e não se pode confiar no transporte público? Ou se, antes de ir a uma reunião, foi necessário gastar um tempo excessivo na fila de um posto de atendimento de uma operadora de celular para resolver um problema qualquer? Pôr a culpa apenas na burocracia e nos atrasos causados pelo subdesenvolvimento é compreensível só até certo ponto. Afinal de contas, as companhias aéreas, as empresas de telefonia e o sistema de tráfego são comandados e operados por indivíduos cuja melhor qualidade também não é a pontualidade – brasileiros, portanto. É impossível saber o que veio primeiro: a cultura do atraso ou a infraestrutura que provoca atrasos. Conclui-se daí que o Brasil está preso num círculo vicioso. A relação flexível com o relógio afeta a qualidade dos serviços do dia a dia, o que, por sua vez, rouba tempo da população e, assim, perpetua o desprezo generalizado pela pontualidade.

Nos consultórios médicos, em especial, a permissividade com os horários é um espanto – e enseja situações desagradáveis. O infectologista Esper Georges Kallás, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, diz aceitar bem o atraso de seus pacientes, porque ele reconhece que às vezes não os atende no horário combinado. "Nem todos, porém, entendem isso. Certa vez, uma senhora se irritou porque eu me atrasei por mais de uma hora, brigou com a secretária e foi embora antes de ser atendida", diz Kallás. O descompasso entre a maioria que se conforma com – e causa – atrasos e a minoria que se esforça em planejar melhor o seu tempo é uma grande fonte de stress para os brasileiros. Uma pesquisa feita pela International Stress Management Association (Isma-Brasil) com 1 000 executivos mostra que 62% deles consideram a dificuldade em administrar seu tempo o principal fator de stress. "Como a síndrome de burnout, o grau extremo de stress, é mais comum entre os brasileiros do que entre os ingleses ou americanos, povos com uma relação mais rígida com o tempo, isso indica que nossa condescendência com a impontualidade não nos torna mais relaxados", diz a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Brasil. Perder tempo, assim, é um atraso de vida em todos os sentidos.

Texto adaptado de. Acesso em 20 dez 2009. 

 

Assinale a alternativa INCORRETA quanto ao emprego dos elementos linguísticos e seus sentidos na construção do texto.

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