UNICENTRO 2011

A ideia de se poder definir o gênero homo atribuindo-lhe a qualidade de sapiens, ou seja, de um ser racional e sábio, é sem dúvida uma ideia pouco racional e sábia. Ser Homo implica ser igualmente demens: em manifestar uma afetividade extrema, convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais de humor; em carregar consigo uma fonte permanente de delírio; em crer na virtude de sacrifícios sanguinolentos, e dar corpo, existência e poder a mitos e deuses de sua imaginação. Há no ser humano um foco permanente de Ubris, a desmesura dos gregos.

 

A loucura humana é fonte de ódio, crueldade, barbárie, cegueira. Mas sem as desordens da afetividade e as irrupções do imaginário, e sem a loucura do impossível, não haveria élan, criação, invenção, amor, poesia. O ser humano é um animal insuficiente, não apenas na razão, mas é também dotado de desrazão.

 

Temos, entretanto, necessidade de controlar o homo demens para exercer um pensamento racional, argumentado, crítico, complexo. Temos necessidade de inibir em nós o que o demens tem de homicida, malvado, imbecil. Temos necessidade de sabedoria, o que nos requer prudência, temperança, comedimento, desprendimento.

 

O mundo em que vivemos talvez seja um mundo de aparências, a espuma de uma realidade mais profunda que escapa ao tempo, ao espaço, a nossos sentidos e a nosso entendimento. Mas nosso mundo da separação, da dispersão, da finitude significa também o mundo da atração, do reencontro, da exaltação. E estamos plenamente imersos nesse mundo que é o de nossos sofrimentos, felicidades e amores. Não experimentá-lo é evitar o sofrimento, mas também não haverá o gozo. Quanto mais estamos aptos à felicidade, mais nos aproximamos da infelicidade. [...] Se a sabedoria nos incita ao desapego do mundo, da vida, será que ela está sendo verdadeiramente sábia? Se aspiramos à plenitude do amor, isso significa que somos verdadeiramente loucos? 

 

O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz parte do amor da vida. Amor e poesia engendram-se mutuamente e podem identificar-se um com o outro.

 

Se o amor expressa o ápice supremo da sabedoria e da loucura, é preciso assumir o amor.

 

O excesso de sabedoria pode transformar-se em loucura, mas a sabedoria só a impede, misturando-se à loucura da poesia e do amor.

 

Nosso cotidiano vive sempre em busca do sentido. Mas o sentido não é originário, não provém da exterioridade de nossos seres. Emerge da participação, da fraternização, do amor. O sentido do amor e da poesia é o sentido da qualidade suprema da vida. Amor e poesia, quando concebidos como fins e meios do viver, dão plenitude de sentido ao “viver por viver”. 

 

A partir daí, podemos assumir, mas com plena consciência, o destino antropológico do homo sapiens-demens, que implica nunca cessar de fazer dialogar em nós mesmos sabedoria e loucura, ousadia e prudência, economia e gasto, temperança e “consumação”,desprendimento e apego.

MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. São Paulo: Bertrand Brasil, 2003, Prefácio. Adaptado. Não paginado.

 

Os termos “desmesura” e “temperança” sugerem, respectivamente, ideias de

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