UNIPAM 2014

Entrevista com Jean-Bertrand Pontalis

Por Mario Sabino, de Paris

 

O elogio da verdadeira amizade

O filósofo, psicanalista e escritor, um dos maiores intelectuais da França, fala da diferença entre amigos e amores e relembra de sua convivência com Sartre

[...] P3 — Mas a procura da amizade pode ser vã. Pode, é claro, mas seria uma lacuna bem triste no meu caso — embora haja quem conviva bem apenas com colegas ou camaradas. Coleguismo e camaradagem são formas de amizade que, se não nos fazem sentir mais fortes, mais vivos — é isso que quero dizer com “recuar a morte”—, ao menos afastam um pouco a solidão amarga. Nunca deixei de ter muitos amigos, é algo vital para mim. Evidentemente, mesmo a amizade mais verdadeira não é feliz durante todo o tempo. Às vezes, podemos nos afastar, até por razões geográficas, ou ter disputas que superam a simples discordância a respeito deste ou daquele assunto. A distância e as fricções, no entanto, jamais significaram um rompimento definitivo com meus amigos. Há quem faça o elogio da amizade sem conseguir cultivá-la. É o caso de Proust (Marcel Proust, o maior dos escritores modernos franceses). Ele teve uma profusão de amigos, mas no monumental Em Busca do Tempo Perdido há um julgamento severo sobre a amizade. Ele diz, em resumo, que ela requer um “eu superficial” — que a profundidade do “eu” passa longe da relação com um amigo. Estáclaro que sofreu uma decepção com a amizade. Tanto que terminou seus anos fechado num quarto, isolado, escrevendo a obra que considerava ser sua “verdadeira vida”.

[...]

P5 — O senhor diz em seu livro que a amizade entre uma mulher e um homem só é possível se não há desejo amoroso entre ambos. Isso significa que o amor não inclui a amizade? O amor pode incluir a amizade, mas como extensão dele próprio. Raramente como um sentimento independente da relação amorosa. Ou seja, “eu sou amigo porque amo”, e não o contrário. Por esse motivo, acho difícil que, ao fim de uma relação amorosa, mesmo que ele seja pacífico, a amizade entre um casal sobreviva.

P6 — Por que as mulheres, de acordo com o senhor, não gostam que seu marido ou companheiro por vezes prefira estar com seus amigos a estar com elas? Não é o caso da minha mulher (risos). Mas, em geral, mesmo as menos possessivas se comportam dessa forma ciumenta. Veem nisso uma troca, um sinal de falta de amor. Noto que boa parte delas aceita melhor que seu companheiro saia com amigas, desde que previamente informadas, do que com amigos. É como se vissem no fato de um homem querer a companhia de outro uma tendência à homossexualidade. Na origem grega da palavra, toda amizade por um semelhante é “homo”. Essa evidência, no entanto, para por aí.

[...]

P9 — Anos atrás, o ator italiano Ugo Tognazzi contou uma história que pode ou não ser real: durante a II Guerra Mundial, ele se tornou amigo de um companheiro de armas que lhe salvara a vida. Terminado oconflito, esse sujeito roubou sua namorada. Tognazzi, então, perguntou à plateia: “Ele pode ser considerado um amigo?”. É comum que um homem se sinta atraído pela mulher de um amigo. No caso que você relata, não acho que, até isso ocorrer, tenha havido necessariamente falsidade. Ele salvou a vida de Tognazzi, ora! Eu diria que dois homens podem ser amigos a tal ponto que não conseguem evitar o desejo pela mulher do outro — assim como duas mulheres podem nutrir uma amizade tão grande entre si que se sentem atraídas pelo marido da outra.

[...]

P11 — O senhor colaborou com Sartre na revista Les Temps Modernes. Ele foi seu amigo? Havia uma grande diferença de idade entre nós. Mesmo que nunca se tenha colocado na posição de mestre — e eu, na de discípulo —, Sartre era grande demais se comparado a mim. Posso dizer que havia amizade, mas não simetria. Antes de trabalharmos juntos na revista, ele foi meu professor de filosofia, em 1941. Jamais vou esquecer sua primeira frase no curso de moral: “O julgamento do fato trata sobre o que é; o julgamento do valor trata sobre o que deve ser”. Fui entender o que ele queria dizer somente mais tarde, durante o governo colaboracionista do marechal Pétain: diziam que nós, franceses, havíamos merecido a invasão nazista, porque não tínhamos sido fortes. O que Sartre me fez compreender é que a França havia sido derrotada pelos alemães, e esse era um fato, mas que não poderíamos julgá-lo imutável. Ou seja, que precisávamos dar valor à resistência.
Veja. 2 jan 2013.

Os períodos a seguir, selecionados da entrevista, foram agrupados em função das relações semânticas instauradas pelos conectores destacados.

GRUPO I:

“A distância e as fricções, no entanto, jamais significaram um rompimento definitivo com meus amigos.” (P3)

“O amor pode incluir a amizade, mas como extensão dele próprio.” (P5)

GRUPO II:

“Pode, é claro, mas seria uma lacuna bem triste no meu caso — embora haja quem conviva bem apenas com colegas ou camaradas.” (P3)

Mesmo que nunca se tenha colocado na posição de mestre — e eu, na de discípulo —, Sartre era grande demais se comparado a mim.” (P11)

GRUPO III:

“Eu diria que dois homens podem ser amigos a tal ponto que não conseguem evitar o desejo pela mulher do outro [...].” (P9)

“... assim como duas mulheres podem nutrir uma amizade tão grande entre si que se sentem atraídas pelo marido da outra.” (P9)

GRUPO IV:

“Coleguismo e camaradagem são formas de amizade que, se não nos fazem sentir mais fortes, mais “vivos [...], ao menos afastam um pouco a solidão amarga.” (P3)

“Noto que boa parte delas aceita melhor que seu companheiro saia com amigas, desde que previamente informadas, do que com amigos.” (P6)

 

Assinale a alternativa que faz uma leitura CORRETA de um desses GRUPOS.

Escolha uma das alternativas.