UNICENTRO 2012

O sexto sentido

 

Os cinco sentidos são, a um tempo, seres da “caixa de ferramentas” e seres da “caixa de brinquedos”. Como ferramentas, os sentidos nos fazem conhecer o mundo. A cor vermelha, no semáforo, diz que é preciso parar o carro. O som da buzina chama a minha atenção para um carro que se aproxima. O cheiro estranho na cozinha me adverte de que o gás está aberto. Como brinquedos, os cinco sentidos me informam que o mundo está cheio de beleza. Os sentidos são órgãos sexuais: com eles fazemos amor com o mundo. Dão-nos prazer e alegria.

 

Mas há um sexto sentido dotado de propriedades mágicas, um sentido que nos permite fazer amor com coisas que não existem... Esse sentido se chama “pensamento”. Digo que o pensamento é um sentido mágico porque ele tem o poder de chamar à existência coisas que não existem e de tratar as coisas que existem como se não existissem. E é dele que surge a grandeza dos seres humanos. O pensamento nos dá asas, ele nos transforma em pássaros!

 

“Mas que realidade tem as coisas que não existem?”, poderão perguntar os filósofos. Aí serão os poetas que darão respostas aos filósofos. “Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?”, perguntava Paul Valery. E Manoel da Barros acrescentaria: “As coisas que não existem são mais bonitas...” Leonardo da Vinci pensava e desenhava máquinas que não existiam e que só poderiam existir num futuro distante. Mas que alegria aquelas entidades não existentes lhe davam! Por isso ele as guardava como segredos perigosos que, se conhecidos, poderiam levá-lo à Inquisição. Mas o prazer valia o risco.

 

Que extraordinário exercício de alienação é a literatura! Mergulhados num livro, a realidade que nos cerca deixa de existir. Estamos inteiramente no mundo do pensamento. Se Marx estava certo ao afirmar que “o homem é o mundo do homem”; então, na literatura, tornamo-nos criaturas dos muitos mundos da fantasia. Tornamo-nos personagens de uma história inventada, “atores” de teatro. Os atores são seres alienados da realidade por estarem vivendo totalmente no mundo da ficção. Todo artista é um fingidor. Todo leitor tem de ser um fingidor. Fingir, brincar de fazer de contas, tratar as coisas que são como se não fossem e as coisas que não são como se fossem! É dessa loucura que surgem as mais belas criações da arte e da ciência. Por isso, eu me daria por feliz se a educação fizesse apenas isso: introduzir os alunos no mundo mágico do pensamento tal como ele acontece na literatura... Quem experimentou 50 a magia do pensamento uma única vez não se esquece jamais.
ALVES, Rubem. O sexto sentido. A casa de Rubem Alves. Disponível em:. Acesso em: 6 jun. 2011. Adaptado.

 

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