UEFS 2017
O texto de Gonzaga foi publicado pela primeira vez em 1792, em Portugal. Cerca de um século e meio depois, Cecília Meireles (em 1953) publica, no Brasil, a primeira edição do Romanceiro da Inconfidência.
LIRA XIV
[1] Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
[5] Estão os mesmos deuses
Sujeitos ao poder do ímpio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi Pastor de gado.
[...]
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
[10] Não voltam contra nós a face irada,
Façamos, sim, façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração que frouxo,
A grata posse de seu bem difere,
[15] A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos de feno um brando leito;
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
[20] Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
[25] Com os anos, Marília, o gosto falta,
E se entorpece o corpo já cansado;
Triste, o velho cordeiro está deitado,
E o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
[30] É dote que só goza a mocidade:
Rugam-se as faces, o cabelo alveja,
Mal chega a longa idade.
Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
[35] As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! Não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças,
[40] E ao semblante a graça.
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. In: PROENÇA FILHO. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1996. p. 597-598.
Romance LXXIII ou da inconformada Marília
[1] Pungia a Marília, a bela,
negro sonho atormentado:
voava seu corpo longe,
longe por alheio prado.
[5] Procurava o amor perdido,
a antiga fala do amado.
Mas o oráculo dos sonhos
dizia a seu corpo alado:
“Ah, volta, volta, Marília,
[10] tira-te desse cuidado,
que teu pastor não se lembra
de nenhum tempo passado...”
E ela, dormindo, gemia:
“Só se estivesse alienado!”
[15] Entre lágrimas se erguia
seu claro rosto acordado.
Volvia os olhos em roda,
e logo, de cada lado,
piedosas vozes discretas
[20] davam-lhe o mesmo recado:
“Não chores tanto, Marília,
por esse amor acabado:
que esperavas que fizesse
o teu pastor desgraçado,
[25] tão distante, tão sozinho
Em tão lamentoso estado?”
A bela, porém gemia:
“Só se estivesse alienado!”
E a névoa da tarde vinha
[30] com seu véu tão delicado
envolver a torre, o monte,
o chafariz, o telhado...
Mas os versos! Mas as juras!
Mas o vestido bordado!
[35] Bem que o coração dizia
— coração desventurado –
“Talvez se tenha esquecido...”
“Talvez se tenha casado...”
Seu lábio porém gemia:
[40] “Só se tivesse alienado!”
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. In: _____. Obra poética. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958. p. 849-850.
A expressão grifada tem a função de sujeito em
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