UFSC 2014

Pechada

O apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado de “Gaúcho”. Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio Grande do Sul, com um sotaque carregado.

— Aí, Gaúcho!

— Fala, Gaúcho!

Perguntaram para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim. Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só. E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos falassem a mesma língua, só com pequenas variações?

— Mas o Gaúcho fala “tu”! — disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o novato.

— E fala certo — disse a professora. — Pode-se dizer “tu” e pode-se dizer “você”. Os dois estão certos. Os dois são português.

O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara.

Um dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera.

— O pai atravessou a sinaleira e pechou.

— O quê?

— O pai. Atravessou a sinaleira e pechou.

A professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do menino atravessara uma sinaleira e pechara. Podia estar, naquele momento, em algum hospital. Gravemente pechado. Com pedaços de sinaleira sendo retirados do seu corpo.

— O que foi que ele disse, tia? — quis saber o gordo Jorge.

— Que o pai dele atravessou uma sinaleira e pechou.

— E o que é isso?

— Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu.

— Nós vinha...

— Nós vínhamos.

— Nós vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e deu uma pechada noutro auto.

A professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao mesmo tempo, procurava uma tradução para o relato do gaúcho. Não podia admitir que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito. “Sinaleira”, obviamente, era sinal, semáforo. “Auto” era automóvel, carro. Mas “pechar” o que era? Bater, claro. Mas de onde viera aquela estranha palavra? Só muitos dias depois a professora descobriu que “pechar” vinha do espanhol e queria dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar para convencer o gordo Jorge de que era mesmo brasileiro o que falava o novato. Que já ganhara outro apelido: Pechada.

— Aí, Pechada!

— Fala, Pechada!

VERISSIMO, Luis Fernando. Disponível em:. Acesso em: 13 jun. 2014.

 

Analise as afirmativas abaixo e indique se são VERDADEIRAS (V) ou FALSAS (F).

( ) Pode-se inferir do texto que a classe a que o aluno chegou se localiza em um estado diferente do Rio Grande do Sul e no qual se usa predominantemente o pronome “você”, em vez de “tu”.

( ) Em "Nós vínhamos", a professora corrige o aluno indevidamente, pois o uso de “nós vinha” é adequado em qualquer tipo de situação comunicativa.

( ) De acordo com a norma padrão escrita, o verbo “fazer” está adequadamente empregado na frase “Tu fizeste um ótimo trabalho hoje”.

( ) Apesar de muito comuns na fala do brasileiro, construções como “tu vai à escola” ou “tu gosta de estudar” não são adequadas para a escrita formal.

( ) No texto, os travessões cumprem duas funções distintas: introduzir as falas dos personagens e destacar comentários do narrador nessas falas.

 

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA, de cima para baixo.

Escolha uma das alternativas.