UPE 2011

1     Muitos pensam que a pesquisa científica é uma atividade puramente racional, na qual o objetivo lógico é o único mecanismo capaz de gerar conhecimento. Como resultado, os cientistas são vistos como insensíveis e limitados, um grupo de pessoas que corrompe a beleza da Natureza ao analisá-la matematicamente. Essa generalização, como a maioria das generalizações, me parece profundamente injusta, já que ela não incorpora a motivação mais importante do cientista, o seu fascínio pela Natureza e seus mistérios. Que outro motivo justificaria a dedicação de toda uma vida ao estudo dos fenômenos naturais, senão uma profunda veneração pela beleza? A ciência vai muito além da sua mera prática. Por trás das fórmulas complicadas, das tabelas de dados experimentais e da linguagem técnica, encontra-se uma pessoa tentando transcender as barreiras imediatas da vida diária, guiada por um insaciável desejo de adquirir um nível mais profundo de conhecimento e de realização própria. Sob esse prisma, o processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo nas artes, isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no Universo.

2     Para a maioria dos cientistas, o estudo da Natureza é encarado como desafio intelectual. Sua motivação para enfrentar esse desafio vem de uma profunda fé na capacidade da razão humana de poder entender o mundo a sua volta. A física se transforma em uma ferramenta desenhada para decifrar os enigmas da Natureza, a encarnação desse processo racional de descoberta. Como escreveu Richard Feynman (...),

3      Imagine que o mundo seja algo como uma gigantesca partida de xadrez sendo disputada pelos deuses, e que nós fazemos parte da audiência. Não sabemos quais são as regras do jogo; podemos apenas observar seu desenrolar. Em princípio, se observarmos por tempo suficiente, iremos descobrir algumas das regras. As regras do jogo é o que chamamos de física fundamental. (FEYNMAN, v. 1, p. 2)

4     Podemos interpretar esse texto de dois modos diversos. Um é dizer que a física é apenas um modo racional de estudar a Natureza; outro é dizer que a física é mais que um mero desafio intelectual, que a física é a linguagem dos deuses.

5     A maioria dos cientistas modernos opta pela primeira interpretação. Mas alguns não. Para estes, a busca do conhecimento científico possui elementos essencialmente místicos, uma espécie de conexão com uma fonte de inteligência superior. Talvez isso venha a chocar muita gente, incluindo vários cientistas. Contudo, se voltarmos um pouco no tempo, veremos que alguns dos cientistas responsáveis pelo desenvolvimento de nossa visão do Universo eram profundamente religiosos. Acredito que o misticismo, se interpretado como a incorporação da nossa irresistível atração pelo desconhecido, tem um papel fundamental no processo criativo de vários cientistas tanto do passado como do presente. Negar esse fato é fechar os olhos para a história e para um aspecto fundamental da ciência. (...)

GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos da Criação ao Big-Bang. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 17; 19-20. (com adaptações)

 

 

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