UFES 2009

Texto I

[...]

− Não, não... Não pode bater em Mamãe, não pode...
 Diante do pai, que se irava feito um fero, Miguilim não pôde falar nada, tremia e soluçava; e correu para a mãe, que estava ajoelhada encostada na mesa, as mãos tapando o rosto. Com ela se abraçou. Mas dali já o arrancava o pai, batendo nele, bramando. [...] Quando pôde respirar, estava posto sentado no tamborete, de castigo.

[...] O Dito vinha, desfazendo de conta. Quando um estava de castigo, os outros não podiam falar com esse. Mas o Dito dizia tudo baixinho, e virado para outro lado, se alguém visse não podiam exemplar por isso, conversando com Miguilim até que ele não estava.

− Vai chover. O vaqueiro Jê está dizendo que já vai dechover chuva brava, porque o tesoureiro, no curral, está dando cada avanço, em cima das mariposas!...

[...] Miguilim não respondia. De castigo, não tinha ordem de dar resposta, só aos mais velhos. Sim sorria para o Dito, quando ele olhava – só o rabo-do-olho. O tesoureiro era um pássaro imponente de bonito, pedrês cor-de-cinza, bem as duas penas compridas da cauda, pássaro com mais rompante do que os outros. Gostava de estar vendo aquilo no curral.[...]
ROSA, João Guimarães. “Campo geral”. In: ____ . Manuelzão e Miguilim. 11. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 36 e 38.

 

Texto II

POR UM LINDÉSIMO DE SEGUNDO

            tudo em mim
anda a mil
            tudo assim
tudo por um fio
            tudo feito
tudo estivesse no cio
            tudo pisando macio
tudo psiu

            tudo em minha volta
anda às tontas
            como se as coisas
fossem todas
            afinal de contas
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 23.

 

Considerando que as obras literárias da atualidade se caracterizam pelo esforço de incorporação e de eventual estilização das regras linguísticas populares, observe a linguagem de Guimarães Rosa, no Texto I, e de Paulo Leminski, no Texto II, e julgue como verdadeira (V) ou falsa (F) cada uma das seguintes afirmações:

 

I – Formas como "dali já arrancava o pai", "chuva brava" e "dando cada avanço" são exemplos de incorporações de regras linguísticas populares no texto de Guimarães Rosa.

 

II – O fragmento de “Campo geral” contém diversos exemplos de uso literário de expressões populares, como "tapando o rosto" (linha 5), "desfazendo de conta" (linha 9) e "só o rabo-do-olho" (linhas 20-21).

III – O poema de Paulo Leminski não apresenta incorporação de formas populares; ao contrário, valoriza a chamada norma culta, por meio de expressões como "a mil" (verso 2); "por um fio" (verso 4), e "pisando macio" (verso 7).

IV – O vocabulário utilizado por Paulo Leminski no poema acima pertence ao mesmo universo social do personagem Miguilim, no enredo de “Campo Geral”.

V – O poema em duas estrofes, espacialmente assimétrico, explora uma instabilidade na relação entre um Eu e o Mundo, por meio de versos livres, aliterações em t e antítese entre “tudo” e “todas”.

 

A sequência CORRETA de respostas, de cima para baixo, é

Escolha uma das alternativas.