PUC-MG 2013

Fragmento do romance Bom dia camaradas, de Ondjaki.

“Mas, camarada António, tu não preferes que o país seja assim livre?”, eu gostava de fazer essa pergunta quando entrava na cozinha. [...]

– Menino, no tempo do branco isso não era assim...

Depois, sorria. Eu mesmo queria era entender aquele sorriso. Tinha ouvido histórias incríveis de maus tratos, de más condições de vida, pagamentos injustos, e tudo mais. Mas o camarada António gostava dessa frase dele a favor dos portugueses, e sorria assim tipo mistério. [...]

– Mas, António... Tu não achas que cada um deve mandar no seu país? Os portugueses tavam aqui a fazer o quê?

– É!, menino, mas naquele tempo a cidade estava mesmo limpa... tinha tudo, não faltava nada...

– Ó António, não vês que não tinha tudo? As pessoas não ganhavam um salário justo, quem fosse negro não podia ser diretor, por exemplo...

– Mas tinha sempre pão na loja, menino, os machimbondos [ônibus de transporte público] funcionavam... – ele só sorrindo.

– Mas ninguém era livre, António... não vês isso?

– Ninguém era livre como assim? Era livre sim, podia andar na rua e tudo...

– Não é isso, António – eu levantava-me do banco. – Não eram angolanos que mandavam no país, eram portugueses... E isso não pode ser...

O camarada António aí ria só.

In: ONDJAKI. Bom dia camarada. Rio de Janeiro: Agir, 2006. p. 17-18.

Fragmento do ensaio “Língua que não sabíamos que sabíamos”, de Mia Couto.

Num conto que nunca cheguei a publicar acontece o seguinte: uma mulher, em fase terminal de doença, pede ao marido que lhe conte uma história para apaziguar as insuportáveis dores. Mal ele inicia a narração, ela o faz parar:

— Não, assim não. Eu quero que me fale numa língua desconhecida.

— Desconhecida? — pergunta ele.

— Uma língua que não exista. Que eu preciso tanto de não compreender nada!

O marido se interroga: como se pode saber falar uma língua que não existe? Começa por balbuciar umas palavras estranhas e sente-se ridículo como se a si mesmo desse provas da incapacidade de ser humano.

Aos poucos, porém, vai ganhando mais à-vontade nesse idioma sem regra. E ele já não sabe se fala, se canta, se reza. Quando se detém, repara que a mulher está adormecida, e mora em seu rosto o mais tranquilo sorriso. Mais tarde, ela lhe confessa: aqueles murmúrios lhe trouxeram lembranças de antes de ter memória. E lhe deram o conforto desse mesmo sono que nos liga ao que havia antes de estarmos vivos.

[...]

Moçambique é um extenso país, tão extenso quanto recente. Existem mais de 25 línguas distintas. Desde o ano da Independência, alcançada em 1975, o português é a língua oficial. Há trinta anos apenas, uma minoria absoluta falava essa língua ironicamente tomada de empréstimo do colonizador para negar o passado colonial. Há trinta anos, quase nenhum moçambicano tinha o português como língua materna. Agora, mais de 12% dos moçambicanos têm o português como seu primeiro idioma. E a grande maioria entende e fala português inculcando na norma portuguesa as marcas das culturas de raiz africana.

In: COUTO, Mia. E se Obama fosse africano? e outras interinvenções. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 11-18.

Segundo o texto de Mia Couto, o português falado em Moçambique:

Escolha uma das alternativas.